Feb 27, 2008

É na normalidade que reside a beleza de Juno


Muito bom o blog do Paulo Polzonoff Jr (http://www.polzonoff.com.br). Vale a pena dar uma passadinha por lá e mergulhar em seus textos.Paulo é jornalista. Já foi crítico de cinema e literário. Hoje escreve livros-reportagens e é tradutor. Aqui vai um texto do blog sobre o filme Juno e nossa geração anos 80.


Juno

"Uma geração de cínicos. É isto que somos. Sentado na cama, assistindo a Juno, eu tive um pouco de nojo de mim. Minto. Não era exatamente um auto-nojo. Digamos que meu estômago estava embrulhado por causa de uma pizza e também por perceber que eu e minha geração havíamos sido talhados na profunda descrença no ser humano. Há quem se orgulhe disso. Algo humanamente compreensível, como se verá.

Os motivos que nos levaram a este cinismo são vários, embora eu só possa especular. Vai desde a grande crise da década de 80, com Sarney no comando do país, passa pela educação notadamente esquerdista, com livros de Frei Betto sendo adotados em escolas católicas, e chega até os sonhos jogados por terra daqueles que viam no metalúrgico semi-analfabeto uma esperança real. Mas esta, claro, é só uma das faces do monstro, a política.

Me parece que nossa formação moral, infelizmente, se contamina. E eis que eu me lembro, nos anos 80, criança ainda, desacreditando. Ouve um momento apenas, alguns anos mais tarde, em que tudo pareceu entrar nos eixos, com caras-pintadas nas ruas clamando por honestidade. Mas os anos 90 aniquiliram nossos sonhos. Kurt Cobain cantou nosso tédio e fastio e depois se matou. Seinfeld fez graça das nossas maldades cotidianas e de nosso narcisismo.

Mais importante, já que este é um texto sobre cinema: a produção dos últimos trinta anos privilegiou as falhas de caráter. Tarantino de um lado, Closer do outro. É como se a grande máquina de fantasia do cinema nos dissesse o tempo todo: a vida é assim, cara! As pessoas que cruzarão nossos caminhos nos farão infelizes. É preciso ser forte. E duro. E estar preparado sempre para o lado mais sórdido do ser humano.

Eu, como muitos da minha geração, aprendi esta lição. Ainda que haja todo um lado meu que combata esta idéia. E minhas escolhas cinematográficas recentes ou não-tão-recentes-assim mostram isso. Forrest Gump, Peixe Grande e Amélie Poulain, para citar uns poucos, são filmes que se chocam com a idéia da maldade intrínseca que domina o ser humano. Eu tenho buscado estes filmes mais do que nunca. Ainda assim, a Grande Lição, a Má Lição me contaminou.

Digo isso porque, em determinado momento de Juno, me peguei imaginando um cenário asqueroso: Mark, futuro pai adotivo do filho da adolescente, vai transar com ela. Pior: Juno, a menina, vai seduzí-lo e se jogar sobre ele. Farão um sexo selvagem no sótão. Vanessa, mulher de Mark, vai chegar e flagrar a cena. Talvez mate Juno. Sangue por todo lado e Nelson Rodrigues sorrindo a um canto.

Nada disso, claro, acontece. Ainda bem.

Juno conta a história de uma adolescente absolutamente confusa que fica grávida. Aos 16 anos, ela não tem a menor idéia de quem seja – e esta é a graça. Nesta idade, ninguém sabe o que é. Perdida, como não poderia deixar de ser, ela pensa em abortar, mas depois resolve ter o filho e dá-lo a um casal, Mark e Vanessa.

História tola, não fosse pela brilhante interpretação de Jennifer Gardner como a perturbada Vanessa e, claro, Elen Page como Juno. A Vanessa de Gardner vive num estado de desespero contido. É algo que nos revolta e ao mesmo tempo pede nossa compaixão. Ao lado de Mark ela mora num belo subúrbio norte-americano. Sua vida é uma busca sem fim pela completude tal qual a compreendemos pelos comerciais de televisão. Falta-lhe, contudo, um filho.

Foi por causa de Vanessa, e não de Juno, que comecei a perceber de que se tratava realmente o filme. A esta altura, claro, já havia passado pela minha cabeça todos os tipos de atrocidades. Vanessa era uma traficante de órgãos; Vanessa mataria Juno. Estas coisas. Sem contar minhas impressões cínicas a respeito do pai da criança, o bonzinho Paulie Bleecker. Gay? Retardado? Um boboca?

Nada disso. É na normalidade que reside a beleza de Juno. Os personagens são o que são e o filme deixa claro. Não há muita margem para interpretação. E nem surpresas estarrecedoras. Juno é uma adolescente confusa, como todos os adolescentes. Bleecker é um menino bonzinho e também confuso. Vanessa é uma mulher que sofre pelo que considera uma deficiência. E Mark é um homem cujo sonho era ser um astro do rock, mas que acabou se tornando um yuppie. Simples assim.

Em comum, todos os personagens do filme buscam o amor. Eu sei que, dito assim, parece algo piegas. E tolo. Mas será que quem faz esta ressalva não é meu lado cínico, em represália? Amor. Nas formas mais e menos óbvias. Não só o amor de um homem por uma mulher. Ser amado como sinônimo de ser compreendido e respeitado. Admirado, apesar de tudo. Não que haja algo de espetacular a ser admirado. Quero dizer, nada de mirabolante. Me refiro à admiração justamente pelo que há de ordinário e banal em todos os seres humanos: a busca pelo amor.

(Uma busca que, talvez, exista até mesmo nos personagens de Tarantino. Será?!…)

Terminei de assistir ao filme num assombro. Queria correr para o computador e escrever sobre esta busca desesperada pelo amor. Sobre todos os atropelos que cometemos em busca de aceitação, admiração, compreensão e auto-afirmação. E mais um monte de coisas terminadas em ão. Conexões estranhas começaram a se formar em minha cabeça: os participantes do Big Brother pediam a palavra num momento, para logo em seguida serem interrompidos pelo tirano moribundo de uma ilha do Caribe; eu mesmo, jovem e destemido, levantei da catacumba da memória pedindo para ser ouvido, mas minha voz imberbe foi soterrada pela de outros que se levantavam.

Não foi à toa que tive sonhos claríssimos à noite. Acho que entendi o significado da idéia do perdão. Não o perdão vulgarizado que se prega nas igrejas. O outro. O nobre. Muitas vezes silencioso. Distante. Acima de tudo, pacificador.

1 comment:

O Profeta said...

Fantástica a forma como dizes humanidades...

Nos umbrais do pensamento
Mora o desejo no limite da razão
Roubando os segredos do corpo
Lançando ao vento a emoção

Uma rosa breve guarda a beleza
O amor é orvalho de feliz pranto
O horizonte é o começo do infinito
A chegada de uma onda é alegro canto

Convido-te a sentir o beijo da chuva


Mágico beijo

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