Oct 30, 2006

CINEMA_ PEQUENO DICIONÁRIO ALMODOVARIANO


O site da Revista BRAVO publicou o que há de mais recorrente cinematográfico na genial obra do cineasta espanhol Pedro Almodovar
Num conjunto de 16 filmes, o cineasta criou um universo ficcional único.
Confira:


CORES: No início da carreira, a estética dos filmes de Almodóvar era marcada por cenários e figurinos de cores berrantes, que propunham uma releitura irônica do kitsch e combinavam com as emoções exacerbadas dos protagonistas. Essas características estão mais evidentes em longas como Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos e Kika. A partir de A Flor do Meu Segredo, que tem fotografia do brasileiro Affonso Beato, as cores se tornam mais sóbrias, em acordo com as emoções contidas dos protagonistas. As trilhas sonoras também acompanham essas mudanças: vão do cancioneiro brega espanhol (Resistiré, do El Duo Dinámico, em Ata-me!) a versões “chiques” de clássicos latinos (Cucurrucucu Paloma, cantada por Caetano Veloso em Fale com Ela).

DESEJO: Não apenas o nome da produtora de Almodóvar e de seu irmão Agustín (El Deseo S/A), desejo também é o combustível que move a maioria dos personagens do cineasta. Como Sexilia (Cecilia Roth), a ninfomaníaca de Labirinto de Paixões, que percorre as ruas de Madri em busca de sexo casual, até se apaixonar pelo príncipe gay Riza Niro (Imanol Arias). Ou Ricky (Antonio Banderas), que seqüestra a atriz pornô (Victoria Abril) por quem se apaixona em Ata-me!. Em filmes como Má Educação e Volver, o desejo extremado e não correspondido leva ao extremo oposto: a violência sexual.

FAMÍLIA: Almodóvar desconfia da noção tradicional de família e propõe arranjos alternativos. Em O que Eu Fiz para Merecer Isso?, por exemplo, ele contrasta o fracasso da vida familiar de Gloria (Carmen Maura), explorada pelo marido e filhos, com a harmonia de sua vizinha prostituta Cristal (Venónica Forqué). O cineasta utiliza núcleos familiares pouco convencionais para atacar o conservadorismo da classe média.

MADRI: Pepi, Luci e as Outras e Labirinto de Paixões são os principais registros cinematográficos da movida madrileña, a cena underground que agitou a capital espanhola na transição do período autoritário para o democrático. Com o tempo, Almodóvar concentrou-se mais nos personagens do que nos ambientes, mas nunca deixou de ser um grande cronista da vida em Madri. A cidade foi o cenário principal de quase todos os seus filmes. Duas exceções são Tudo sobre Minha Mãe, que se desenvolve quase todo em Barcelona, e Volver, que tem boa parte de sua história encenada em um vilarejo de La Mancha.

MULHERES: O cinema de Almodóvar é mulher. Desde o início de sua carreira, o diretor notabilizou-se por seus personagens femininos combativos e por sua crítica ao machismo espanhol. Em vários filmes, como Pepi, Luci e as Outras, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos ou Volver, elas se solidarizam diante da brutalidade e da boçalidade masculinas, depois se juntam para buscar conforto ou vingança. Seus longas com protagonistas femininos, mesmo os melodramas, costumam ser mais alegres e vitais. Na visão de Almodóvar, as mulheres vêm primeiro, gays em seguida e os homens heterossexuais por último. A exceção fica por conta de Fale com Ela, que faz um retrato positivo de machos sensíveis.

REFÊRENCIAS: A carreira do cineasta espanhol alimenta-se do próprio cinema tanto quanto da vida. Seus longas não apenas se baseiam na reapropriação de gêneros clássicos (screwball comedies, melodrama, noir, suspense, etc.), como também estão repletos de citações diretas ou homenagens a outros filmes — com personagens que assistem a clássicos na TV ou cenas emprestadas de cineastas que admira. Ata-me!, por exemplo, pode ser considerado uma refilmagem picante de O Colecionador (1965), de William Wyler, também sobre um homem que seqüestrava a mulher que desejava. Tudo sobre Minha Mãe remete à obra-prima A Malvada (1950), de Joseph Mankiewicz, na subtrama da atriz amadora que substituiu uma veterana.

RELIGIÃO: O catolicismo sempre foi um dos alvos preferenciais do diretor. No começo da carreira, a arma usada nos ataques era o humor, como em Maus Hábitos. A comédia retratava o cotidiano do convento das “redentoras humilhadas”, com freiras que haviam sido prostitutas, assassinas e viciadas. Já o denso Má Educação, baseado em memórias infantis do cineasta, conta a história de um garoto abusado sexualmente por um padre numa escola católica. Almodóvar declarou que fazer esse longa foi uma forma de exorcizar fantasmas do seu passado.

TRAVESTIS E TRANSEXUAIS: Homens que se vestem de mulheres ou que mudam de sexo são freqüentes na obra almodovariana. Tino (Carmen Maura) opera-se e torna-se Tina para manter um caso incestuoso com o pai em A Lei do Desejo. Em Tudo sobre Minha Mãe, Manuela (Cecilia Roth) vai atrás do pai de seu filho morto e encontra-o transformado em Lola (Toni Cantó). No início, Almodóvar usa a figura do travesti para chocar. Com o tempo, porém, ele explora sua característica de simulacro do real. Em um universo de mulheres fortes e homens boçais, os travestis e transexuais dão a seus filmes a força da ambigüidade.

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